CONVENÇÕES DE VARSÓVIA E MONTREAL vs. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR PRIMEIRO PRECEDENTE NO BRASIL

No dia 8 de maio de 2014, teve início o julgamento do Recurso Extraordinário (RE 636331) em caso da Air France, sendo reunido para julgamento o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 766618) da Air Canada, no Supremo Tribunal Federal, ao qual será dada repercussão geral à decisão, onde se estabelecerá se aos conflitos relativos à relação de consumo em transporte internacional de passageiros devem ser aplicadas as regras estabelecidas nas convenções internacionais que tratam do assunto, ou o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
 
Para facilitar a compreensão sobre os julgamentos, passaremos a dividir os casos e seus votos:

 

Air France 

O caso da Air France – trata-se de discussão sobre valor dos danos materiais em extravio de bagagem.
 
O Ministro Relator Gilmar Mendes, votou pelo provimento do recurso da Air France, sob o argumento de que, por tratarem de relação de consumo específica – transporte internacional de passageiros -, as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil têm status de norma especial, tendo prevalência sobre o CDC, que ganha contorno de norma geral por tratar de relações genéricas de consumo.
 
Segundo o ministro Gilmar Mendes, o preceito da defesa do consumidor não é o único mandamento constitucional que deve ser examinado neste caso e lembrou que a Constituição Federal também prevê a manutenção da ordem econômica e a observância aos acordos internacionais. O Ministro destacou ainda que a norma da convenção não é refratária à defesa do consumidor.
 
Seguiram o entendimento do relator os ministros Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki.
 

Air Canada 

O ARE 766618, relatado pelo ministro Roberto Barroso, foi interposto pela empresa Air Canadá contra Acórdão do Colégio Recursal de Santo André – Estado de São Paulo, que aplicou o CDC e manteve a condenação da empresa ao pagamento de R$ 6.000,00 a título de indenização por danos morais a uma passageira, por atraso de 12 horas em voo internacional. A empresa pede a reforma da decisão, alegando que o prazo de prescrição de ação de responsabilidade civil decorrente de atraso de voo internacional deve seguir os parâmetros da Convenção de Montreal, sucessora da Convenção de Varsóvia.
 
O ministro Barroso, que deu provimento ao recurso, considera que deve ser seguida a regra prevista no artigo 178 da Constituição Federal, que estabelece a obediência aos acordos internacionais ratificados pelo país na ordenação dos transportes aéreos. Segundo ele, em caso de conflito, as normas das convenções internacionais devem prevalecer sobre o Código de Defesa do Consumidor.
 
Seguiram o entendimento do relator os ministros Gilmar Mendes e Teori Zavascki.
 
– O julgamento conjunto e a retomada do julgamento em 25 de maio de 2017
 
Após o voto do ministro Teori Zavascki, a ministra Rosa Weber pediu a suspensão do julgamento para ter vista dos autos, o que foi deferido em 8 de maio de 2014.
 
Três anos depois, no dia 25 de maio de 2017, o processo voltou à pauta de julgamentos no Supremo Tribunal Federal.
 
Os Ministros Rosa Weber, Edson Fachin, Luiz Fux, Dia Toffoli, Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia, votaram para acompanhar os Relatores de ambos os casos. Os votos dos referidos Ministros interpretaram o art. 178 da Constituição, ressaltando que os tratados internacionais sobre o transporte aéreo devem ser cumpridos, que não haveria antinomia entre as normas, e que a aplicação das Convenções internacionais em casos de danos materiais por extravio de bagagem e prescrição no transporte aéreo internacional de passageiros garantiria a segurança jurídica, a igualdade e a preservação do princípio da previsibilidade das decisões no âmbito interno e internacional.
 
Foram dissidentes apenas os Ministros Marco Aurelio Mello e Celso de Mello, que informaram o entendimento de que a proteção ao consumidor é dever constitucional, que deve se sobrepor à ordem econômica (onde se insere o art. 178 da Constituição). Assim, pelo voto desses Ministros dissidentes, o Código de Defesa do Consumidor deveria ser aplicado em detrimento das Convenções de Varsóvia e Montreal, no transporte aéreo de passageiros.
 
Essa foi certamente uma vitória para o transporte aéreo internacional. Agora devemos aguardar a publicação do V. Acórdão, para que a repercussão geral possa ser usada nos casos de dano material por extravio de bagagem, e nos casos onde se verifique a prescrição de 2 anos.

Valéria Curi de Aguiar e Silva Starling
Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Sócia de Di Ciero Advogados

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