Aéreas já cobram até por venda na internet e viagem do ‘pet’

RIO – Se você comprou sua passagem de avião por telefone, aproveitou a ligação para escolher um assento mais confortável e reservou espaço na cabine da aeronave para seu cãozinho, prepare-se para a fatura da viagem. Esses serviços podem encarecer seu passeio em até R$ 270 se o destino final for no Brasil. Ou em até R$ 580, caso o avião rume para a Europa. São taxas que engordam as chamadas receitas auxiliares das companhias aéreas, que veem na cobrança por serviços antes gratuitos um meio de ajudar a equilibrar suas finanças.
Em dois anos — entre abril de 2013 e abril de 2015 — , alguns desses serviços aumentaram até 33%, segundo levantamento feito pelo GLOBO junto às quatro maiores empresas que atuam no mercado doméstico: TAM, Gol, Azul e Avianca. A inflação acumulada no período medida pelo IPCA, o índice oficial, foi de 15,6%. As companhias também estão ampliando as cobranças. Caso do transporte de animais, que custa entre R$ 150 a R$ 200, dependendo da empresa. E da “taxa de conveniência” que a Azul passou a cobrar em maio nas compras de passagem feitas pelo site.

A estratégia das aéreas, porém, esbarra nos direitos dos consumidores. Na avaliação do Idec, algumas dessas cobranças ferem o Código de Defesa do Consumidor e até o Código Civil, e podem ser contestadas na Justiça.

No rol das receitas auxiliares está a cobrança pela reserva dos assentos mais espaçosos, em geral localizados nas primeiras fileiras dos aviões ou ao lado da saída de emergência das aeronaves. TAM, Gol e Azul cobram entre R$ 30 e R$ 40 pelo “conforto” em voos domésticos. Nos internacionais, o valor chega a R$ 341 na TAM, para voos partindo da América do Sul em direção a cidades europeias. Apenas a Avianca não cobra pela reserva dos assentos mais confortáveis. Em 2013, o passageiro que quisesse sentar no Espaço Azul, assentos com distância entre as poltronas de 86 centímetros, tinha que desembolsar R$ 20. Hoje, o direito a esticar as pernas custa R$ 25, alta de 25%.

A taxa de emissão de bilhete — quando se compra a passagem no balcão do aeroporto, pelo telefone ou em lojas físicas — foi outro serviço que teve reajuste acima da inflação. Na Avianca, a taxa era de R$ 30 em 2013. Hoje são R$ 40, incremento de 33%. A empresa não deu explicações sobre a alta.

NO EXTERIOR, TAXA PARA MARCAR ASSENTO

Até maio, as companhias não cobravam por compras feitas pelo site. Mês passado, a Azul inaugurou sua “taxa de conveniência”. São R$ 5 por passageiro por trecho nos voos domésticos e R$ 20 nos internacionais. A conveniência estaria no fato de se poder cancelar ou alterar a passagem até 30 horas depois de efetuada a compra, sem custo adicional. Segundo a Azul, para evitar a cobrança, basta o passageiro se inscrever no programa de fidelidade da companhia.

Quanto ao reajuste acima da inflação nas reservas do chamado Espaço Azul, a empresa frisa que as aéreas têm liberdade tarifária, “podendo cobrar os valores que consideram ideais para cada serviço ou produto”. Entre as companhias estrangeiras, já há quem cobre por escolha de assento em fileiras convencionais. Caso da British Airways, que desde 2009 cobra a partir de US$ 11 por reserva de poltronas quando esta for feita antes de 24 horas do voo.

Na avaliação do Idec, algumas dessas cobranças contrariam o Código de Defesa do Consumidor (CDC). No caso dos assentos mais espaçosos, a cobrança vai de encontro ao artigo 39, inciso 10 do código. Neste, é dito que não se pode elevar sem justa causa o preço de serviços e produtos. Como as poltronas mais confortáveis já existiam na planta dos aviões e nada era cobrado por sua reserva alguns anos atrás, as empresas não poderiam introduzir a cobrança.

— Não houve melhora nas poltronas da primeira fileira e da saída da emergência. Se há mudança na configuração interna dos aviões para aumentar o conforto dos assentos, aí a cobrança é válida, pois trata-se de um produto diferenciado — diz Claudia Almeida, advogada do Idec.

Quanto à taxa de emissão de bilhete, o Idec entende que pode haver cobrança para compras feitas por canais que exijam a presença de funcionários no ato da venda (como telefone e lojas físicas), pois o custo dessas operações é maior do que o das aquisições feitas pela internet. Claudia é contrária à “taxa de conveniência” introduzida pela Azul:

— Nesta questão está nítido que há pelo menos duas práticas abusivas: primeiro por forçar a adesão ao plano de fidelidade para obter a isenção da taxa. Isso coloca o consumidor em desvantagem, pode-se dizer que é uma espécie de venda casada. Em segundo lugar, por condicionar a possibilidade de cancelamento ao pagamento de taxa de conveniência, pois o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 49, prevê expressamente o direito de arrependimento de sete dias nas compras feitas fora do estabelecimento comercial, como telefone e internet. É cobrar por um direito que o consumidor já tem.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) diz que as aéreas devem manter disponível ao menos um canal de venda gratuito. Sobre o caso específico da Azul, a agência informou que tomou conhecimento e que abrirá processo administrativo para apurar a informação. “Caso seja constatado o não cumprimento da norma, (vamos) tomar as providências cabíveis”, disse a Anac.

Outra taxa polêmica é a cobrada por alteração de voo. As empresas cobram entre R$ 80 e R$ 120 para remarcar a passagem, desde que antes do início da viagem. Ao longo do itinerário, a mudança dói ainda mais no bolso. Pode chegar a R$ 180. Em todos os casos, há categorias de tarifas (mais altas) que isentam o passageiro da cobrança.

Nos voos domésticos da Gol, esse serviço teve aumento de 20% de 2013 para cá. Era R$ 100 e passou a R$ 120. A companhia diz que “as alterações de valores de taxas, assim como das tarifas dos bilhetes, seguem, além das variações dos custos da empresa/indústria, outros fatores ligados a oferta e demanda de mercado, cenário econômico, ação de competidores, entre outros fatores”. No primeiro trimestre de 2015, as receitas auxiliares da Gol aumentaram 32,8% em relação ao primeiro trimestre de 2014.

Para o analista da Empiricus Gabriel Casonato, a cobrança por serviços é uma tendência que deve ganhar força diante do difícil cenário para o setor no Brasil. A Gol acumula 13 trimestres de prejuízo, com perda acumulada de R$ 4 bilhões. Avianca e Azul não divulgam balanços porque têm capital fechado. Já os números da TAM foram incorporados ao balanço da Latam desde que a companhia concluiu a fusão com a chilena LAN em 2012.

— Essas receitas auxiliares não chegam a ser relevantes dentro do balanço consolidado, mas acabam sendo válidas diante do pequeno espaço para as empresas tornarem-se mais eficientes no que diz respeito aos custos — diz Casonato.

MULTAS MAIORES QUE VALOR DA PASSAGEM

Mesmo assim, o analista é cético quanto aos resultados de curto ou médio prazo das companhias aéreas brasileiras.

— Primeiro, por causa da desvalorização do real frente ao dólar, responsável por balizar mais da metade dos custos das empresas, sobretudo com combustível. Em segundo lugar, devido ao potencial enfraquecimento no volume de viagens corporativas no país, reflexo da desaceleração econômica.

A Anac não regula diretamente as taxas de remarcação e cancelamento no que diz respeito a valores. Para a agência, a cobrança de taxas como essas é permitida, “desde que tenham sido definidas no contrato de transporte firmado entre o passageiro e a empresa aérea”.

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No caso do cancelamento, a portaria 676/2000, que está em revisão, prevê limite para a multa de reembolso. Esta não deve ultrapassar 10% do valor do bilhete, considerando as tarifas nominais. Ou seja, o passageiro pode cancelar o bilhete e obter de volta 90% do valor gasto.

Segundo Claudia, do Idec, o artigo 740 do Código Civil diz que a multa não pode superar 5% do valor da passagem, desde que o cancelamento tenha sido feito em tempo hábil para revenda do bilhete. O problema é que as categorias de tarifas promocionais não se enquadram em qualquer dessas normas. Na prática, as empresas ficam com até 50% do valor do bilhete. “A taxa de reembolso varia de acordo com o perfil de cada tarifa”, reconhece a TAM.

— Essa variação de categorias de tarifas acaba colocando o consumidor em desvantagem, porque abre espaço para multas maiores que o próprio valor da passagem — diz Claudia. (Colaborou Glauce Cavalcanti)

Fonte: O GLOBO

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